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sexta-feira, 30 de março de 2012

Arte africana no British Museum

No Brasil, ainda é muito difícil encontrar objetos de arte africana para apreciação, observação e estudo. Que me recorde os únicos lugares onde isso é possível ainda que, com muitas limitações, são os museus de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP) e o Afro Brasil. 
Segundo um amigo meu que trabalhou anos no MAE/USP, a instituição possui um rico acervo, entretanto, boa parte dos objetos estão na reserva técnica por falta de espaço físico. 

Já no Museu Afro Brasil, podemos afirmar que os objetos expostos poderiam dar conta de demonstrar a grande diversidade populacional e étnica do continente. Isso não ocorre devido ao grande número de objetos da Nigéria e do Benim provenientes da população iorubá. Vale lembrar que a instituição, inclusive, já sofreu críticas, por parte de pesquisadores, por conta deste destaque que o povo iorubá recebe, especialmente pelo fato do curador do museu ser baiano. Dizem que na Bahia e em outros espaços do Brasil reina a "nagocracia", lembrando que este grupo étnico africano (iorubás ou nagôs), foi dos últimos a aportar no Brasil durante o período da escravidão (século XIX), justamente da região da Bahia. Assim, não é de se espantar que as raízes africanas fundadas a partir dos iorubanos sejam tão fortes e presentes, especialmente em Salvador, onde mais de 80% da população é negra, vide Candomblé, acarajé, Olodum e outras manifestações culturais da região. Além disso, no acervo estão separadas as obras de arte tradicional africana (feitas por artistas e artesãos, geralmente, para cerimônias religiosas, uso cotidiano  ou como marcadoras de hierarquias, nunca ou raramente para apreciação). Há pouquíssimas peças de arte contemporânea expostas, apesar da instituição ter promovido algumas exposições focadas no que é produzido hoje no Benim e pelo artista do mesmo país Gérard Quenum. Lembrando que ele foi contemplado com uma bolsa de residência em 2010 por esta instituição e que foi a partir dela que produziu as obras que foram expostas. Na época, me espantou o fato da bolsa residência, novo projeto da instituição na ocasião, ter sido concedida a um renomado artista africano com tantos artistas afro-brasileiros precisando desta força. Critérios misteriosos...
Pensando no diálogo entre passado e futuro, tradição e subversão, função e contemplação, acredito ser interessante destacar aqui a maneira como o British Museum expõem as obras das artes africanas. A enorme instituição fundada em 1759, sendo o primeiro grande museu público, gratuito, secular e nacional em todo o mundo, tem  em seu acervo magnífico obras de arte de todos os lugares do mundo. Se não for de todos, ao menos é o que parece. Pensando em África, por exemplo, o acervo está dividido em "África: artes e culturas", Egito Antigo", Sudão Antigo e Medieval" e "Egito Bizantino". Fantástico! O maior respeito pela diversidade.
Na parte de "África: artes e culturas", os setores de expografia e museografia, juntamente com a curadoria, foram geniais mesclando objetos tradicionais aos contemporâneos. Logo na entrada nos deparamos com obras de arte feitas por artistas africanos de hoje e que nada têm do exotismo que, em geral, é destacado nas produções africanas. Ou seja, ao contrário do que os estigmas reforçam, estes artistas africanos como El Anatsui (Gana), por exemplo, são pesquisadores de suportes, processos e conceitos, como qualquer artista contemporâneo que, porventura, encontremos em outros espaços que exibem arte contemporânea. Suas malhas construídas a partir de fragmentos de alumínio estão bem na entrada deste espaço.
Na sequência, encontramos máscaras africanas que podem ser totalmente vestidas, isto é, não cobrem somente a parte da cabeça e não necessitam de vestimenta para compor a roupa do mascarado, a própria máscara é a vestimenta completa.
Muito me surpreendeu ver e conhecer a parte sobre cerâmica, coisa rara, tanto pela fragilidade dos materiais quanto pelo próprio material. Reparem que nem temos nenhum museu somente sobre cerâmica no Brasil. É crucial exibir este saber das populações africanas porque muitas vezes, ao tratar de cerâmica, são enfatizadas somente as populações indígenas e gero-romanas. 
Também fiquei absolutamente envolvida pela história da "Árvore da Vida" ou "Tree of Life", escrito assim deste jeitinho. Após o final da guerra civil em Moçambique, que ocorrei entre 1976 e 1992, os artistas Cristovão Canhavato (Kester), Hilario Nhatugueja, Fiel dos Santos e Adelino Serafim Maté se uniram para propor o recolhimento das milhares de armas usadas neste longo conflito e, a partir das mesmas, produziram várias formas com fragmentos destas armas. Uma desta formas é esta linda árvore. O nome do projeto era   Transforming Arms into Tools (TAE) . 
Os famosos saleiros encomendados em portugueses a artistas locais beninenses, datados do século XVI, também encontram-se em exposição e registram o contato entre estas duas populações. Os saleiros confeccionados em marfim eram sinal de status e são ricamente esculpidos descrevendo, muitas vezes, fatos que ocorreram. Isso também ocorre com as portas em madeira produzidas pelo povo Senufo, da Costa do Marfim. 
Ah, mais meu deleite maior foi ver a máscara em marfim, feita no século XVI por artistas iorubanos. Na verdade, ela é bem menor do que eu imaginava, cabe na palma de uma grande mão. Mas a sua ornamentação é fantástica, de grande sofisticação.
Bem, de primitiva, naquele sentido que se refere ao selvagem, ao pouco desenvolvido nos moldes ocidentais e tudo mais, a arte africana, tanto a tradicional quanto a contemporânea não possui nada. talvez tenha no sentido de primera, de primeira, ou seja, das primeiras manifestações estéticas da humanidade repleta de profundos pensamentos e soluções estéticas. Sorte dos reis, sorte dos deuses... 
Não comentei todas as imagens que aparecem abaixo neste texto, a arte africana tradicional e contemporânea é um assunto com o qual eu flerto por questões de apreciação e de fundamentação, porém não é a minha área de estudo. Assim, vou me segurar por aqui para não escrever mais nada que seja incorreto. Vou completar este texto aos poucos. 


Seguem algumas imagens" deleitem-se!


Trabalho feito com fragmentos de alumínio por El Anatsui.
Detalhe.
Escultura representando pessoas trajada com máscara de hipopótamo. Feita por Sokai Douglas em 1995, há outros trabalhos lindos deste artista na internet. Esta máscara é comum entre os Kalabari, que vivem na Nigéria. 
De frente, de trás...
Vitrine com máscaras.
Placas comemorativas feitas em latão. As mesmas são provenientes do Benim e registram passagens relacionadas aos reis, sendo, extremamente raras na atualidade.
Uma das placas mais conhecidas e copiadas. Acredita-se que foram produzidas a partir do século XIII.  Nesta aqui temos um oba (rei) representado com dois serviçais ladeando sua figura. Sabe aqueles rostinhos pequenos lá em cima? São representações de portugueses, o que demonstra este antigo contato entre Europa e África.
Máscara do século XVI da corte do Benim, representando Idia, a mãe do obá Esigie. Ele determinou que a figura da "Rainha-Mãe" fosse reverenciada nesta sociedade. Esta peça, provavelmente, era usada como adorno no pescoço. Ah, e parece muito maior do que é.
Braceletes em marfim, peça extremamente rara na qual há uma referência a Olocum. Atenção ao lindo e delicado trabalho de escultura que faz com que a superfície se assemelhe a um rendado.
Um saleiro. Este tipo de objeto era altamente valorizado entre os portugueses. Repare que são os mesmos que estão representados com barbas e armas. 
Cabeça de obá (rei), em latão. Outro objeto de arte muito cobiçado.
Máscara para vestir do povo Chewa, do Malawi. É usada em rituais funerários e feita em cestaria, extremamente rara diante das várias máscaras feitas em madeira. A durabilidade, entretanto, é menor.

Adivinhe de que materiais são feitas estas esculturas e descubra mais adiante.
Mais uma chance...
...E mais outra. Resposta em segundos.
Uma excepcional porta do povo Igbo, da Nigéria. Muros e portas ricamente adornados representam o status de seus proprietários. 
Detalhe.
Escultura Igbo. Ela é construída por parte e reparem nas armas que sinalizam o contato com o mundo europeu. As cores e os grafismos também merecem um olhar especial, mais detido.
Esculpida para adornar um palácio real , o de Ikere, este par de portas comemora o momento em que o rei Ogoga recebeu o administrador britânico Capitão Ambros, em 1901. Reparem abaixo nas figuras dos prisioneiros carregando caixas com conchas e nas figuras das esposas do rei na outra fotografia. Bem, aqui temos indícios de que alguns objetos de arte tradicional africana são testemunhos históricos. As portas foram feitas entre 1910 e 1914.
Prisioneiros...
Esposas do rei...
Dos grandes artistas contemporâneos: Gérard Quenum. Esta escultura , em parte, se refere a tradição de se representar mães com filhos, e sugere a noção de maternidade nesta sociedade.
 
Brinquedos, especialmente bonecas, juntamente com a madeira,. são alguns dos materiais empregados para o artista produzir suas esculturas que estão entre o interesse e o estranhamento.
Detalhe.
Já ouviu falar da árvore da vida, a "Tree of Life"?
Do que foi feita esta aranha? Mosca?
Fragmentos de armas transformadas em arte.
"Tree of Life" sendo admirada por um visitante.
Mocinha encantada com os objetivos feitos a partir do projeto "Tree of Life". Por que a gente não fica sabendo destas coisas lindas que ocorrem em África?
Assim como a estatuária em madeira, há vários povos que fazem peças em cerâmica. Sem ela não haveria técnica da cera perdida, por exemplo.
Quem disse que a arte em cerâmica se restringe as populações indígenas?
Detalhes.
Vitrine de armas. Para saber mais, falar com Renato Araujo, pesquisador do Museu Afro Brasil.
Um dos espaços do British Museum. Enorme e fantástico!

www.britishmuseum.org/

quarta-feira, 14 de março de 2012

The sky and the trees

Quem acompanha o blog já percebeu que se na apresentação do mesmo está na descrição "...do erudito ao popular...", escrevo isto é porque é sério. Também porque as dimensões do estético estão em todos os lugares, em todos os momentos e pinçar isso, como escrevi no último texto, é uma questão de gosto. Exatamente, do gosto ou não gosto. E pensando em gosto, gosto das coisas mais comuns e das estranhas também. Ou melhor, daquelas que nos passam despercebidas no cotidiano tumultuado de quem mora na Grande São Paulo. Ultimamente tenho observado muito as combinação de vestimentas das pessoas; os penteados feitos por mulheres e homens, especialmente os de cabelos crespos; as intervenções de rua; o que as grandes instituições têm nos apresentado a partir de exposições; o que os menores espaços têm proposto como forma de fortalecimento deste mercado não erudito e paralelo da arte contemporânea; enfim, movimento é o que não falta. 
Nesta miríade de coisas, que são tantas que, por vezes, deliro visualmente sozinha à caminho de um compromisso ou indo ao mercado, estão as portas e janelas, os cães e gatos, as árvores e o céu. Estes três binômios figuram aqui no blog desde que ele surgiu. Gosto muito de parar para ver o céu e as árvores que tentam alcança-lo em vão. Me dão tranquilidade, me fascinam pelos desenhos que se formam no visor da minha máquina e, principalmente, me fazem lembrar que independente do problema que eu tenha que solucionar naquele momento, afora minha aflição por viver neste mundo tão conturbado, desumano, cruel e cru, porém não saboroso como sashimi, me lembra de que sou só parte dele. 
Ainda que com minha complexidade de ser único como somos todos nós, somos somente parte, uma ínfima parte do que existe neste universo, e o céu é a porta para o universo, é somente o que nossos olhos mortais conseguem observar. Vi um filme argentino (adoro!), chamado "Medianeiras", (2011), de Gustavo Taretto, cuja a protagonista feminina dizia em um determinado momento, ainda na introdução do filme: "... sou parte de algo infinito e eterno". O universo...

trailler do filme "Medianeiras"

Ver o céu e as árvores me traz de volta para o chão, o chão pouco seguro da minha existência, que confunde absolutamente minha consciência em termos do que importa, que importância tenho neste conjunto imenso que é o mundo... Talvez me console saber que em algum momento novamente serei pó de estrelas e retorne ao universo, ao todo...

Bom, para devanear, que a vida também é para ser sentida, apreciada, na plenitude dos seres e dos sentidos, vão aí alguns devaneios visuais que encontrei em Londres.


































































Para melhorar a semana: olhe para o alto!